quarta-feira, 30 de março de 2011

TRVE

Completei há dias o meu segundo conto para o livro a editar pela Gailivro em Maio. Chama-se TRVE (lê-se true) e é uma história sobre Natalie Mayer, a escritora de vampiros mais vendida no mundo, e a homenagem que lhe fazem no Salon du Libre em Paris. Fica um excerto, espero que gostem:


"Margarita olhou e respirou fundo. Tudo isto tinha sido ideia de Cecília, Ceci, a implacável manager de Natalie, que várias vezes reduzia o seu gosto apenas aquilo que funcionava, não olhando a tradições ou a reivindicações de pureza. Uma acção de Natal, com Natalie, no Great Mall of América, em Minneapolis, nos Estados Unidos, tinha ficado famosa. Cecilia tinha enchido o centro comercial com os seus Pais Natal/Vampiros, que distribuíam gomas vermelhas pelas crianças e envelopes vermelhos com saudações de Natal vampíricas e marcadores do livro novo de Natalie. Mandou montar dentro do centro uma montanha russa, obrigando a administração a desmontar a montanha russa residente, para a substituir por uma, desenhada pelos criadores do cenário dos filmes adaptados dos livros de Natalie. Entrava-se por uma boca gigante, com os caninos afiados e subia-se vertiginosamente para depois cair a pique, passando os carros (todos vermelhos em forma de cálices curtos) por uma poça de sangue falso. Hologramas das personagens dos filmes interagiam com o comboio, seguindo as pessoas, sentando-se ao lado delas, quase palpáveis, culminando tudo numa recta velocíssima, e cheia de suspense, entrando num flash vermelho nos olhos de Stuart, o vampiro protagonista da história.

Do outro lado milhares de pessoas sujas e molhadas de sangue falso, compravam toalhas do merchandise oficial de Natalie. Tinha sido um sucesso! Passaram pelo centro nesse dia mais de cem mil pessoas e praticamente todas estavam agora em casa, a saborear o entretenimento de Natal, a aquecerem-se às lareiras, lendo as aventuras de Stuart, Celta, Robinson, Vix, Noctis, no liceu, na universidade, no campus, nas florestas irreais dos subúrbios, disputando, golpe a golpe, fala a fala, os destinos de todos os vampiros desta geração."

"Por isso, Maeva e a sua posse, mantiveram os cumprimentos curtos e eficazes. Afinal percebiam como ninguém que o corpo é apenas a concha mortal da interioridade que nos manipula e nos faz materializar através da técnica artística o mundo interno que se vive, a missão que ele cumpre e a inscrição sensorial dessa mensagem, estado, pensamento, emoção. Maeva sabia perfeitamente que aqueles quatro seres e os seus acólitos que inauguravam e fechavam a procissão edipiana da banda até às margens do povo and back, eram quatro invólucros de fibras, ossos, carnes e nervos, aos quais agradecia a espreitadela ao seu interior, o turbilhão de electrónica, de palavras acesas como lâmpadas que queimam os olhos, pelo ritmo e pela coragem e principalmente pela confirmação da sua mortal profundidade.

Maeva elaborava nesta teoria da mortal profundidade com os seus amigos na bistro da família de, nunca se percebia de onde, nesta teoria de que eles e quem se juntava a eles eram apenas a tal concha, o tal invólucro mortal, como a banda, uma espécie de organismo, de corpo que transportaria o sangue, a mensagem, a informação e executaria o plano conforme ela e Nobby, que reclamavam para si o estatuto metafísico de alma, uma coisa entre corpo, coração, cérebro. O núcleo duro ali sentado seriam as pernas, as tetas, a massa cinzenta, os braços, os dedos. Teriam de se desresponsabilizar do mundo, das terras, dos amores e concentrarem-se na vingança sobre quem tinha vestido à sua raça milenar pólos da Lacoste, sapatos da Diesel, calças da Levis. Até agora o plano tinha corrido às mil maravilhas. O concurso, o desenho da estrutura, a sua montagem, as identificações falsas. Maeva trabalhava, sobre o jocoso aliás de Madeleine Crouton, já há mais de dois meses no pavilhão 1 do Salão do Livro."

resto de boa semana!

segunda-feira, 21 de março de 2011

No dia mundial da poesia


"Um poema nunca se acaba, abandona-se"

Paul Valéry


No Dia Mundial da Poesia, relembro a todos o poema de Padrón, já aqui publicado numa outra ocasião. As boas coisas tem uma autorização superior para serem repetidas. Os contos evoluem da melhor maneira, conto acabá-los muito em breve e enviá-los para revisão. A capa do livro que conterá os dois contos será executada por João Maia Pinto. Boa semana a todos.

(http://www.facebook.com/people/João-Maio-Pinto/1462479804)

Mais que um filho

Mais que um filho, é um escravo, o poema.
É parte dos teus sonhos indomáveis,
Um farrapo da tua alma sucessiva,
Um monte de palavras que salva a tua memória
Dos momentos plenos do deserto.

Por vezes é o eco incompreendido
Da tua própria consciência ou de outro sangue
Que em ti palpita sem que tu o saibas.

(…)

O poema é um corpo abstracto, talvez um ser
Misterioso de que és o seu deus único.
Podes embelezá-lo ou deformá-lo
Com a perversidade de um tortuoso castigo
Até torná-lo céptico, canalha ou taciturno,
Perante a lucidez dura de teus olhos.

(…)

há poemas obscuros e assassinos
que nos espiam com a sua adaga levantada
há outros juvenis, tersos, apaixonados,
cuja directa luz desnuda o fogo.
Também os há ociosos, brigões, lascivos,
Curiosos ou ignorantes que perguntam
Sem que jamais possamos responder-lhes.

Um poema é, enfim, um látego desditoso
Uma alma solitária trespassada de repente
Pela densa dor que o convoca

JJ Padrón

quinta-feira, 10 de março de 2011

Cabaret Seixal e excerto do conto Exercício de Cidadania

Queria agradecer a todos quantos foram ao Seixal. Foi uma noite muito bem passada, feita de cumplicidades e ambiente. Um abraço em especial ao Charles, pelo convite e pela hospitalidade! E outro David Soares que nos falou do bem e do mal com a mestria habitual.

Este conto, juntamente com outro de nome TRVE, será parte da colecção de mitos urbanos, com a chancela Gailivro (grupo Leya), a editar em livro em meados de Maio.

O conto Exercício de Cidadania narra a história de ZP, um serial killer, que caça politicos. Não é intervenção, é ficção. Enjoy!

"ZP não chamava a atenção. Corria o pais na sua carrinha. Ficava em pensões e hotéis de três estrelas no máximo pagos pela Hidromundo (gota a gota matamos a sede do planeta). Comia na pensão e guardava sempre o cartão de visita que vinha agrafado às facturas. Cada vez que repetia uma cidade, repetia a hospedaria. Planeava o seu mapa-morte de acordo com as suas deslocações, intervalando sempre a caça com um esquema simples:

- Nunca matava na primeira visita embora observasse a vítima no seu habitat. Os trabalhos de fiscalização e de administração duravam três a quatro dias sempre. Cobria a cidade mas também os arredores.

- À segunda ou terceira visita efectivava o crime, despejando os corpos em ambientes sempre coincidentes com os desaparecimentos. Por exemplo, quem se afogasse, ficava nas margens, escondido de uma maneira que levasse cerca de dois ou três dias a encontrar. Neste âmbito inclua casas, planícies, sítios em obras, que tinham a vantagem de encerrar em si desde logo a própria história, sem grandes perguntas.

- Não deixava pistas ou então criava artificialmente vestígios que esbarrassem nas burocracias e nas perícias técnicas da Policia, que conhecia e tinha estudado e que sabia que estavam limitadas aos cortes de orçamentos tantas vezes assinados por vítimas ou candidatos a vítimas.

- Acompanhava os casos até uma certa altura, desfazendo-se depois de todos os registos que o pudessem ligar ao acontecimento. Usilva fazia exactamente o mesmo.

ZP era uma pessoa dupla. Essa qualidade permitia-lhe uma flutuação de sentimentos. O sexo e a morte era ideias rápidas e violentas. Não lhe ocupavam o tempo suficiente a ideia. Assim, mantinha-se longe da pulsão até bem perto do principio e do fim do acto. Tinha um gatilho que desligava e lhe permitia a banalidade de pensamento e de acção. Comia o bife da casa no restaurante de pensão em Alfandega e este merecia-lhe tanta consideração como o bandido que fazia as cooperativas da sua terra fecharem e os trabalhadores suicidaram-se ou se entregarem ao ócio e aos vícios, falecendo em vida. Nunca tinha comentado os seus métodos como ninguém e até Usilva sabia, apesar das insistências deste, apenas informações gerais, algumas até por via indirecta. Era como jogar as cartas. Usilva sabia que cartas tinham calhado a ZP mas durante o jogo, havia um puxão da toalha que cobria a mesa, os copos entornavam o vinho que bebiam, as garrafas de cerveja explodiam espumosas nas cartas, tudo se misturava, o jogo tinha ido até ao limite, nunca chegando ao fim. Depois de limpa a mesa, baralhavam, partiam e tornavam a dar.

Não era de poucas palavras. Nem de muitas. Não vivia na escuridão, nem na luz. Participava na área cinzenta como quem sai para dar uma volta ao parque e volta para casa sem ser visto por ninguém. Não era cruel mas sabia sê-lo perante as medidas. Não se sentia um justiceiro, nem um matador e sabia que nunca iria ser um herói. Tinha, contudo, uma ideia de justiça que lhe parecia colorir a sua vida banal e como aquele homem que vive e vai todos os dias ao café, à campa da sua mulher colocar flores, ao quiosque comprar o jornal, o bom dia à empregada da portagem, que vai dar uma volta com o cão, que compra todos os dias o pão, duas carcaças, dois integrais, até se tornar invisível nas suas acções, parte da rua como a árvore da esquina, o marco antigo do correio, as bilhas de gás atadas por correntes à porta da mercearia. O chão que se pisa sem olhar. Como o chinês, transformado no que o rodeia. Camuflagem simples, despretensiosa, aproveitando a indiferença dos rostos.

Tinham sido até agora, vinte três. No norte do pais, terreno fértil de corrupção, tinha despachado dez. Acidentes de carro, acidente de caça, queda em poço. No Sul, apenas dois até agora. Caramba, tinha crescido por lá. Enforcamentos. No centro do país, com uma área mais extensa, do litoral ao interior, os restantes. Queda de andaime em pleno dia, ataque cardíaco depois de almoço farto, afogamentos em barragens, morte súbita."

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Já amanhã na FLUL



Fernando Ribeiro dos Moonspell dá Lição na Reitoria da Universidade de Lisboa

Amanhã, Fernando Ribeiro dá uma Lição, às 18 horas, na Sala de Conferências da Reitoria da Universidade de Lisboa, subordinada ao tema, Filosofia e Rock - como viver no mundo da poesia eléctrica.

O ciclo Cem Lições, inserido nas Comemorações dos 100 Anos da Universidade de Lisboa, está a decorrer desde 24 de Janeiro a 12 de Maio, de segunda a sexta, às 18h. na Sala de Conferências da Reitoria da Universidade de Lisboa. Isabel Alçada, António Costa, António Lobo Antunes, Francisco Pinto Balsemão, António-Pedro Vasconcelos, Elisabete Jacinto, José Mário Branco, Lídia Jorge, Manuel João Vieira, Maria João Seixas, Maria José Morgado, Teresa Patrício Gouveia são alguns dos antigos alunos que regressam às cadeiras da Universidade de Lisboa, para darem 100 Lições.


Conto convosco. Um abraço.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A vista do meu quarto

A Terra conseguiu a atenção das chuvas

O chão molhado, a silvar esta ausência de ti

Numa estação próxima, alguém corre para apanhar o tempo

Tonitruante, a utilização das linhas que te levarão

A saber colheres o insulto e fazer dele algo que possas

E devas usar

Bloqueado pela madeira da porta

Alguém abre lá fora a paisagem

De um cenário doméstico

Há um cheiro a calor

Há sangue no chão

Há um principal suspeito

De faca na mão

As chuvas acabaram por violar o teu voto de confiança

À estação ninguém chegou

Todos partiram em silêncio

A tua sombra tornou-se maior

É o Sol que nasce

Ignorante do crime

Ignorante do fim

Queimando a pele

Dizendo que sim


PS:

Dia 24 de Fevereiro estarei na Reitoria da Faculdade de Letras no âmbito da iniciativa 100 Lições a partir das 18.00. Darei informação mais detalhada do tema aqui e no facebook em breve. A entrada é livre.

Dia 25 de Fevereiro estarei no Cabaret Seixal (http://www.myspace.com/cabaretseixal/blog/541976887) e irei ler poemas do meu próximo livro de poesia Purgatorial bem como excertos de um dos contos/mitos urbanos que estou a escrever para a Gailivro e que se chama Exercício de Cidadania (sobre um serial killer que mata politicos). Mais informação no meu facebook. O bilhete custa 4€.

Gostava muito que aparecessem. Bom fim de semana!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

escolha uma opção

ao contrário dos outros,
a fragilidade.

nas ruas corro atrás da vida
o meu tempo medido pelas coisas
que consigo fazer
no regresso lamento
o que ficou por fazer

os lábios tocam o vidro
parece a pele de alguém
que acabou de acordar
quente de um sonho

talvez alguém numa outra rua da Terra
repita os meus passos
num caminhar lento que respira suave
sobre um chão de folhas caídas
no passeio
de volta a casa, alegre talvez
contando as pequenas vitórias
do dia

a cabeça toca a leveza das almofadas
sente-se a liberdade da tarde que parte
fecham-se as janelas da sala
sobre uma tranquilidade maior
que todo o tempo
























compensando o que fica por fazer
no

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Em nome de uma fome maior

Há uns meses a esta parte, deixei simplesmente de publicar aqui, porque o último poema que aqui publiquei, foi como um espelho partido da dor causado pela morte de um amigo próximo, jovem, um irmão.

Hoje aqui volto, espero ainda encontrar-vos. A vida prossegue, sem nós sabermos, em nome de uma fome maior:

Em nome de uma fome maior

Há que começar finalmente a beber

a água das chuvas

para que possamos deixar de ser

aqueles que apenas

antecipam a sede

há que começar a viver

para deixarmos de ser

aqueles que apenas observam e apontam em cadernos tristes

tudo e todos quantos chegaram ao fim

há que fazer de cada palavra uma jóia

há que fazer de cada palavra uma fortaleza

de cada detalhe um mundo de minúcia brilhante

de cada som toda uma linguagem

de labirintos transparentes onde possamos encontrar

os nossos e confundir os outros


aproveitemos o facto de respirarmos ainda

para responder às ofensas

de quem nos quer mal

nunca perdoando

deixemos o perdão, este perdão para as ficções

dos inuteis

patrulhemos com a verdade dos nossos exércitos e armas brancas

as terras que nos dão chão e ar

que nos matam a fome, a sede e a expectativa

que nos fazem ser alguém mais do que aquele ninguém


tudo o que fazemos

o estranho, o discutível, o polemico, o invisivel

é feito em nome de uma fome maior

tudo o que somos

devorado por esse apetite da alma

quem entende será acolhido à nossa mesa

quem nos despreza receberá a chicotada

de ter de viver com o nosso sorriso

nunca sabendo quando é ele

verdadeiro

ou

falso.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

a indiferença do movimento perante o que o repercute

Acontece na alma
a dor de cada um
e a cada um nos parece
que a nossa dor é universo perante migalha
edificio perante flor
trovão perante uma haste fina
que só o repercute

tudo
só porque nos dói
a nós
de dentro
tudo só
porque a dor dos outros
não a sentimos
apenas intuímos
e já assim é terrível
uma
dor de pesadelo
de lâmina sobre o olho que tudo vê
cego no sonho
aceso com a chama eterna
da angústia

é verdade,
a terra gira sempre
mas nem por isso sentimos menos
o seu tremor

onde estás amigo? anda para ao pé de nós.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Extinto (a um amigo influente)

Hálito de cobra
Dentro do vidro
A neve cai
E cobre o teu corpo
Afável gigante

Jóia de prata verde
Detrito
Casualidade partida
Na testa mutilada do mundo
À beira de um novo ataque

Para não incomodar a coreografia
A esta hora já regressam os corvos
Ao teu jardim
Sei que paraste de respirar nas folhas
De manusear as lamas
E que te deitaste ao lado
Da vida que corre no espelho do lago
Olhos fechados com a terra das margens

Vejo-te correr para bem longe daqui
Até ao mais denso do verde
Vejo-te ajoelhar silenciosamente
Para te observares
Ainda vivendo
Falando com os teus
E com os outros
Mostrando-lhes as tuas mãos vazias
Ensinando-lhes a tua vertigem cor de plantas
Sentido proibido, imagem
Parábola, carambola
Treze no buraco

Denunciado pelas paredes do vidro
Sais finalmente em liberdade
Diriges-te ao bosque
Para confrontares o teu corpo morto
Exigir explicações
Desafiá-lo para um duelo
Ao pôr-do-sol

Quando morreste
Mataste algo de mim
Coisa pouca que seja
Mas que faça de mim
Um homem melhor
Um sítio melhor
Para a tua memória viver


Descansa em paz Peter.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Flor na cicatriz do granito

Como se de um breve fogo se tratasse
Como se das chamas saísses tu ilesa
De amores falhados
Como se da chuva eu bebesse
E saciasse a sede de ti

Como se de uma rocha onde se gravou
A violência do mundo
Saltasse uma pedra como mensagem
Que se arremessa à cabeça de um gigante

Como se todo o tempo fosse essa ou outra tarde
Como se numa concha coubesse mesmo um mundo
Como se nos valessem os anos sofridos
em alfabetos de silêncio

Como se o caos se detesse por um momento
Para te ver a sair do fogo
Para te beber na chuva
E colher-te

A ti
Flor na cicatriz do granito

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Falência verbal

Indecifrável calor
Esse os das palavras
Que se marcam na carne
Para resgatar uma simples memória

Esta terra é
Como um centro de um mundo
Mercado de migalhas douradas,
Em que da janela de um hotel
É possível comprar o céu

Interrompo o que é importante
Para atender aos estranhos
Que chegam para reclamar
O meu tempo que era o teu

Irrepetível sabor
Esse os das cicatrizes salgadas
Como rosas na carne
Para resgatar a história
Que foi nossa

Possuo a totalidade do nada
Conheço a totalidade do segredo
Guardado no coração do monstro amável

Interrompo a árvore
Quando colho a flor
E encho de bestialidade
Um simples gesto de amor

sexta-feira, 26 de março de 2010

Ferox

Voracidade
De ti
Do mundo
De tudo querer

Voracidade
Do nada
Do ficar quieto
E deixar as nuvens
Percorrerem a rota sonhada
Daqueles que as observam
Deitados nos campos

Voracidade
De ser
Voracidade das nuvens
De ser elas
No céu
E de ser eles
No chão

Voracidade
Da paz
Do parar
Não para respirar
Mas parar
Para ver se ainda
Respiro

Voracidade
De me deitar hoje a teu lado
E dormir encostado aos teus sonhos

sexta-feira, 19 de março de 2010

Bomba de pregos

Viver em fragmentação constante
Entrar nos poros como o chumbo doente
Da explosão da minha pele na tua.
Viver de rastos
Debaixo da barriga da cobra
Subsistir na sombra do charco do
seu veneno
Morder sem dentes
Arranhar sem unhas
Fazer da suavidade um legado
Do teu prazer
Fazer do desencontro a tua dor
Acalmar a Primavera que regenera
O réptil
Correr como ele
Em círculos de minas armadilhadas
Explodir contra ti
Abraçado ao teu peito
E ver o que sai de ti
Em direcção ao ar cinzento das paredes
Que nos encurralam como trincheiras
O teu olhar de lado
o teu sorriso
Os teus olhos dominados pelo ligeiro
Falecer das pálpebras
Recolher-te do chão,
Das árvores,
Das poças no chão
Da pele de quem passava
Distraído
Quando explodi em ti

sexta-feira, 12 de março de 2010

Canto escuro

Às vezes penso
que me poderia
dissolver
na escuridão deste canto,
ficar por lá uma vida toda
ou apenas durante esta tarde ,agachado,
sem que tu desses por isso

Às vezes
Poderia falar-te sem parar
até que, como pediste,
as coisas tristes
fossem levadas
para um outro sítio
ao qual
nem eu,nem tu
temos acesso,

mas também sinto que, hoje, poderia
falar sem parar das coisas más
porque essas, pelo menos,
me fazem companhia
nesta tarde de febres
neste canto de escuros

quinta-feira, 4 de março de 2010

Purgatorial

Na paz
assiste ao corpo o direito
de rejeitar o mundo

Os olhos para si
reclamam a ofensa corpo a corpo
às cores
servindo-se do desprezo
De quem já tudo viu
Acontecer

Ressacar
É acordar envolto em estranhezas,
é estar preso por fios
Que nunca existiram
E que
Como tal
Não podemos romper

é jazer nu
E esgotado
e fazer disso os meus dias

Mais do que lutar
Aceito as condições da guerra
Dentro das quatro paredes
Como se aceita o ar,
Aceito o protocolo da batalha dentro da caixa de osso
Como se aceita a luz
Que ilumina a sombra.

Ergo a cabeça sim
Mas apenas para sentir
A lâmina fria
Que me beija a nuca

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

À mesa contigo

Quando arranquei
O coração do peito
E o meti sobre a mesa
Cristal sobre cristal
E lhe desferi o golpe final
Com um martelo de aço limpo
Esperei estilhaços
Como chuva de pequenos vidros
Esperei talvez
Gotas de água vermelha
E roxa
Esperei aves necrófagas
Que me puxavam por dentro a pele
Com os seus minúsculos bicos
Esperei plantas murchas
E urtigas, florestas calcinadas
Esperei vozes, gritos, patadas surdas nas paredes
Esperei vermes por dentro da madeira da caixa
Tecendo barulhos imperceptíveis
Esperei a nódoa da culpa
Aquela que não sai

Em vez de isso
Em vez de tudo isso
Ou mesmo de borboletas
E átomos que fugiam de mim
E me deixavam aos buracos
Como bandido apanhado, crivado por balas justiceiras
Células de exílio
Que à pátria
nunca regressarão

Em vez de tudo isso,
Continuo a esperar
Com um buraco no peito
E um coração partido
Sobre uma mesa partida.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Mala

Imagine-se que o mundo
É uma mala que esquecemos num filme antigo
Dentro da mala
Muito mais que a profundidade de uma pele,
Que um palpite de desejo.

Dentro dessa mala
Vou eu, pelo mundo
Por vezes apenas com a cabeça
À superfície das águas
Olhando as pessoas felizes
Da fria janela cá fora, embaciada pelo
Hálito quente do conforto
Da rotina de nada esperar dos dias

Dentro do mundo com que viajo na mala
Conheço pessoas e a todas digo quando me perguntam
O que faço

A minha profissão é
Ir embora

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Porque me és inútil

(esquisso)


Porque me és inútil
Te quero

Em cama de vingança
Ou terra de ninguém
Te quero

Porque me és vingança
Porque me és ninguém
Te quero

Porque me és inútil
Te quero

intranquilo

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Orfeu Rebelde





Como de poesia se trata, aqui vos deixo o convite para fazerem download gratuito e/ou comprar um exemplar do disco em exclusivo nas lojas FNAC.


É um trabalho de poesia e música, composto pelo Pedro Paixão (Moonspell) e interpretado pelo mesmo (instrumentos), e comigo e Rui Sidónio (Bizarra Locomotiva) nas vozes. O conceito foi idealizado por mim, a partir do livro de poemas de Miguel Torga: Orfeu Rebelde.

Alguns dos textos informativos e poéticos:

Este trabalho brota de diversas nascentes que, em boa hora, se reuniram dando origem a este turbilhão de palavra, voz e som que o colectivo O.R. vos apresenta. A primeira palavra vai para o poema de Miguel Torga que me fascina e provoca desde a tenra maturidade. Todo o poema é um desafio feito através da voz, do canto, do clamor, da angústia assumida. Para me ajudar a vocalizar esta revolta e conquista convidei o (Rui) Sidónio dos Bizarra Locomotiva que já me acompanhou noutros cantares de terror e beleza. As suas qualidades narrativas são preciosas, são poesia dita pelo músculo e muito lhe agradeço a honra de seu grito neste projecto.
Por fim, dirigi-me à pessoa, que na sombra ou fora dela, mais tem feito pela minha banda de sempre, pela minha única banda, os Moonspell, e que, mais uma vez, não renegou a prometaica tarefa de musicar, com classe e escuridão, as palavras do Torga, reunidas por mim e divididas por ele, entregues à nossa voz e às suas guitarras e ambientes. Profundo e eterno agradecimento.
Cada som como um grito é um trabalho diferente. Dizemos o Português gritando, o Português de Torga, duro mas belo, cerimonial mas envolvente.


I - LETREIRO

Porque não sei mentir,


Não vos engano:


Nasci subversivo.


A começar por mim - meu principal motivo


De insatifação -,


Diante de qualquer adoração,Ajuizo.


Não me sei conformar


E saio, antes de entrar,


De cada paraíso.



II - PRELUDIO
Reteso as cordas desta velha lira
Tonta viola que de mão em mão
Se afina e desafina.
E de onde ninguém tira
Senão acordes de inquietação
Chegou a minha vez e não hesito
Quero ao menos falhar em tom agudo
Cada som como um grito
Que no seu desespero diga tudo
E arrepelo a cítara divina
Agora ou nunca meu refrão antigo
O destino destina mas o resto é comigo



III - RELÂMPAGO
Rasguei-me como um raio rasga o céu
Iluminei-me todo de repente
Negrura permanente
De noite enfeitiçada
Queis ver-me com pupilas de vidente
E arrombei os portões à madrugada
Mas nada vi
Caverna de pavores
Só com tempo e vagar eu poderia encarar
Castigar e perdoar
Tanta abominação que em mim havia

IV - ORFEU REBELDE



Orfeu rebelde, canto como sou:


Canto como um possesso


Que na casca do tempo, a canivete,


Gravasse a fúria de cada momento;


Canto, a ver se o meu canto compromete


A eternidade no meu sofrimento.
Outros, felizes, sejam rouxinóis...


Eu ergo a voz assim, num desafio:


Que o céu e a terra, pedras conjugadas


Do moinho cruel que me tritura,


Saibam que ha' gritos como há nortadas,


Violências famintas de ternura.



Canto como quem usa


Os versos em legitima defesa.


Canto, sem perguntar à Musa


Se o canto é de terror ou de beleza.

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download gratuito em:

http://www.optimusdiscos.com/discos/cada-som-como-um-grito

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ninguem na terra - Quasi edições

Após rumores e incertezas e muitas dificuldades, recebi finalmente comunicação da insolvência da editora Quasi, responsável pela publicação e distribuição dos meus três livros de Poesia. Infelizmente e apesar das minhas solicitações, não fui notificado a tempo de reclamar o que me é devido, em especial o acesso ao stock dos meus livros que já há mais de um ano rareiam nas prateleiras das livrarias e das lojas, segundo o que me foram informando os meus leitores e muitos curiosos que não conseguem adquirir nenhum exemplar de qualquer livro em parte alguma.

Entrarei em contacto com a gestora judicial para tentar minimizar o prejuízo e tentar desbloquear os meus direitos, o stock dos meus livros e eventualmente procurar outra alternativa de edição. Apesar de lamentar toda esta situação, o que mais é de assinalar, pela negativa, é o facto de pessoas que querem comprar, ler ou possuir a minha pequena bibliografia não poderem exercer esse direito, pelo facto de os livros terem desaparecido das lojas e serem também parte do arresto judicial da insolvência.

Darei o meu melhor nesse sentido e aqui neste blog vos darei conta do resultado. Entretanto continuarei a publicar aqui alguns poemas originais ou retirados de outras edições, conforme ao espírito do dia da semana em que actualizo o cofre; ou poemas de outras pessoas que me pareçam interessantes para retirar do cofre alheio.

Bom 2010 a todos!



Terra de ninguém
Caminho para o qual
me empurrei
Encruzilhada para onde voltei
Por me faltar ar

e chão

Sem terra
Em terra de ninguém
Sem algo mais que um porém
Para te oferecer
Para te prestar culto
Para te explicar
Tudo o que fiz



Sem musa
ou terror
Na alma
Sem beleza

naufragada
Nem cidade para onde voltar
A vida

destroços apenas
Da arca que em boa hora
Teimámos não embarcar.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Célula

Célula

Trilho veia afora
Arrastando pés e peso
Pelos troços abertos
Por quem de externo direito

Atravesso incontável
As águas que outros intoxicaram
Mapeando a devassa
Configurando a pele da mente

Respiro ainda
E com o hálito reclamo território
Como quem bebe com a sede
De seu próprio sangue

No fim do caminho
Iríamos devorar-nos
Assim ficamos ambos de pé
Salvos do naufrágio
Que a primeira manhã do ano anunciou

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Nós monstros

Passemos à cave. É lá onde vivo, donde venho todas as manhãs e para onde regresso todas as noites. Aqui é a sala onde me divirto, aqui tomo banhos longos, ali, tens de ver aquilo, é o meu recanto preferido, onde medito nos meus assuntos, sempre que posso.

Um cheiro de comida entra pelas paredes, um fumo de dor de cabeça está cativo num quarto, as tuas palavras, monstro, são as mesmas de sempre. O que te vale é que estamos numa cave e não tenho ainda para onde fugir. Quando isso acontecer deixarei tudo para trás e agirei como se não te conhecesse porque afinal é verdade, quem és tu? Porque queres saber os nossos nomes? Porque é que as coisas nunca são boas o suficiente para ti? Para que me desperdiço na tua presença?

Não olharei para trás nem fugirei de ti, eu próprio sou suficiente para me amaldiçoar para sempre.





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PS:





Estarei hoje a partir das 20.30 a assinar autógrafos na Bertrand das Caldas da Rainha, numa iniciativa integrada na Feira do Livro local. Todos os meus livros estarão disponíveis. Apareçam se puderem. Será um prazer.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Amsterdão

Descendo nos vapores dos outros
Cegando com as luzes dos outros
Andando sem parar, sem olhar para trás,
Olhando sem parar, andando sem olhar.

Sentamo-nos
Sacos feitos prontos para a partida
Levantamo-nos
Sacos escondidos para a partida
Perguntas às quais não me apetece responder.
Pessoas com quem nunca me apeteceu falar.
Para quê?

Quando passarmos a fronteira à noite estarei um dia mais próximo de ti e longe de todos os outros.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Deixar-te cair

Um novo poema meu:


Deixar-te cair.
Deixar-te cair
Para que renasças
Em ti,
E só para ti.

Afastar-me do teu caminho
Tirar os dedos que te tapavam a boca
Com mel e escuridão,
Para que respires
E que no teu respirar
Encontre restos do que foi o meu.

A tua paz será sempre a minha paz.

O teu viver iluminará
Um mundo melhor que o meu
Sei que sou apenas o que de mortal
tem a sombra
Que teu sol projecta.
Nascerás sempre
Mesmo que não seja para mim.

terça-feira, 16 de junho de 2009

triangular

A Casa Pessoa foi um sucesso. Sucesso porque foi sobretudo uma tarde agradável em que se falou de tudo, até do meu casaco, mas sempre a partir dos livros. A título de curiosidade aui ficam os títulos das obras que escolhi:

World Without Us (Alan Weissman, Picador)- não-ficção. um livro sobre o que acontece à Terra e aos vestigios humanos na eventualidade do desaparecimento da raça humana.

Antologia Poética, Justo Jorge Padrón (Teorema, presumo...)- o meu poeta preferido de todos os tempos.

Zorba, o Grego. Nikos Kazantsakis (Ulisseia)- curiosamente intitulada em Portugal O Bom Demónio. a melhor história e a personagem homem mais verdadeira da história da Literatura, esqueçam o dorian gray lol

Levei três livros como se fosse para a estrada, levo sempre uma biografia/não ficção, poesia e romance.

Por fim o livro que ando verdadeiramente a ler (ainda): Perdido de volta, Miguel Gullander. Veneno e dinamite. Um dos melhores livros que já li ou ando a ler.

Outras coisas:

Como já disse por diversas vezes que ainda estou na ressaca da poesia dos Diálogos... Tenho andado afstado dela. Concentro-me com entusiasmo nas novas letras de Moonspell e num projecto de conto de ficção a convite da Gailivro que sairá no fim do ano e que melhor conta vos darei entretanto.

Mas leio muita e escrevo alguma. Eis uma gota nova:

Porque desafiar-te, se és superior?
Porque negar-te, se existes dentro de mim?
Porque ousar ser como tu, se me sobreviverás?
Porque temer-te se és minha semente?

És o que vale a pena.


Um abraço cheio de palavras!

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Mais poesia

Antes do regresso um convite:

Photobucket

Seria um prazer ver-vos por lá.

Agora sim o regresso, com o inevitável pedido de desculpas em virtude da pesada agenda dos Hoje (Amália) e dos meus e nossos Moonspell. La Nave Va e ainda bem, estou grato a todos.

Consideração:

Uma das melhores prendas que alguma vez me deram foi um daqueles jogos magnéticos de poesia, que consiste em pequenas etiquetas com palavras (eu tenho em Inglês, não sei se existe em Português) seleccionadas que se estendem desde a mais poética (shadow, void, moment) até às mais comuns (yellow, this, from). As combinações são imensas e escrever com elas é, sem dúvida, magnético em todos os sentidos. Tenho feito nascer coisas de forma descomprometida, sem o peso das teclas ou das penas e muitas dessas novas vidas que se encostam ao meu friogorifico e aos meus inoxs, vão ganhar vida, em especial, no novo disco, nas novas letras de Moonspell. Verifiquem em:

http://cgi.ebay.co.uk/MAGNETIC-POETRY-KIT-ORIGINAL-EDITION-FRIDGE-MAGNETS_W0QQitemZ300316835292QQcmdZViewItemQQptZUK_Toys_Creative_Educational_RL?hash=item45ec473ddc&_trksid=p3286.c0.m14&_trkparms=72%3A1683%7C66%3A2%7C65%3A12%7C39%3A1%7C240%3A1318%7C301%3A1%7C293%3A1%7C294%3A50

Estou apaixonado por este escrever assim.

Voltando ao papel, um poeta imenso que ainda não conheci pessoalmente mas que tenho todo o gosto e honra em divulgar aqui no meu modesto e sempre atrasado blog: Joaquim Cardoso Dias, O Preço das casas, Ed.Gótica, 2002. Aqui seguem alguns belíssmos exemplos:

PREPARAÇÃO DE UM RAPTO

em silêncio estes animais
entram com a noite nos meus passos
e nem sequer me dói o teu nome
atormentado pelas mais altas torres
devagar fecho os olhos neste segredo
e o vento ressoa como um relógio vazio
na casa onde estou só
no peito onde estou contigo

A IDADE DO FOGO

nas pálpebras a fuga ainda é possível
espio o anoitecer por detrás do crespúsculo
e nunca sonhei com essa mentira

as noites imensas respiram onde a minha memória te imortalizou
ouço-te e escuto e grito no teu rosto assim
abro a janela e tenho medo de ouvir a tua voz

em pleno voo o tempo solidificou este monólogo
as palavras que me restam falam devagar
enquanto a noite cresce demorando a loucura
e a maldição de ter amado

amanhã é o último dia do tempo
agora de repente ainda espero por ti

MITOLOGIA

finjo que acredito em ti: amo-te
e sem o saber todos os sonhos
caíram no fim das tuas palavras
antes da única verdade
se ter ferido encostada tanto
ao meu peito

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Belíssimo e influente, muito influente para mim. Até ao meu regresso com mais palavras, sempre.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Qualquer sitio serve

Acordo de dezassete horas de paz para o barulho de tijolos secos do dia.
Fecho os olhos na esperança de mais dezassete horas de ti. Mas não consigo. E saio lá para fora na atenção do que se pode atravessar no meu caminho.
Para além da igreja abandonada por espíritos e corpos que rasga a noite dos céus como um espigão assassino, para além do barracão ocupado por momentos de som esquecidos nos ouvidos, para além de tentar e da desilusão do miúdo que agora tem músculos e voz de homem; nada é o que parece mas o mais absoluto silêncio é perfeito na silhueta fechada de todas estas coisas.
Hoje passei o dia de olhos fechados a ver-te.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Rock sem poetas

Num blog de poesia que escapa para as letras nunca foi minha intenção criar polémica ou sequer ventilar um arzinho que seja que nos lembre esse vento malfazejo que sopra na maioria dos blogs e que quase, numa descrição do seu “adn” seria uma característica fundamentalmente apontada. O áspero guardo-o para outro blog que tenho (Spectator) e que sendo de opinião, presta-se mais a essas ventanias.

Mas não posso deixar de manifestar a minha frustração pela ausência de cinco de um total de oito pessoas na mesa redonda de Rock e Literatura que tive o prazer de participar no passado dia 7/7 pelas 18.00 na Faculdade de Letras de Lisboa. Segundo a organização todos tiveram contratempos pessoais e profissionais (o que compreendo e quero respeitar o mais que possa) sabendo, embora, que, pessoalmente, já fui a muita coisa adoentado (escrevo, carregado de cêgripes e hextrills, a partir de um Starbucks do aeroporto de Bruxelas), e que, essa semana, e esse dia em particular, vim de entrevistas com o projecto Hoje (Amália Hoje) e ensaios com os Moonspell, de onde vim directamente para a Faculdade, chegando a horas e apenas contactando com esse êxodo in loco, perto da hora do início do mesmo.

Restou uma hora de conversa, minha, e do JP Simões (e da professora/moderadora, que confesso, esqueci o nome), que espero tenha sido válida para as pessoas que lá foram, provavelmente esperando mais “quórum”. Não querendo ser, de modo algum, injusto para as pessoas que tiveram de faltar, lamento que assim tenha sido e que nós, os “das letras”, não encarem com a seriedade que devemos a nossa própria credibilidade enquanto poetas eléctricos. De realçar que nenhuma justificação ou pedido de desculpas foi comunicado, pelo menos enquanto lá estive, às pessoas na audiência.

Em jeito de fraco consolo fica o texto da minha apresentação com a menor edição possível (ponham-lhe uma nódoas em cima):

Poéticas do Rock

O respeito da normalidade

É fundamentalmente estranho estar aqui sentado na faculdade onde me angustiei no e pelo curso inacabado de filosofia, perdido nos corredores da reprografia azul; confraternizando pelo melhor spot na Biblioteca do Departamento (Matos Romão) onde eu lembrava alguém à Sra. que tomava conta, alguém das novelas; ou partilhando um chapéu de chuva com a miúda petite mas gira à brava da turma X, em andamento para os pavilhões onde reinava a aula de Epistemologia das Ciências Sociais (ave VS Marques!), por aí , só algumas memórias instantâneas de um ex- FLUL. Ia dizendo, é fundamentalmente estranho estar aqui sentado numa mesa redonda de faculdade, com tantos ilustres da palavra e da performance a partir da mesma, para justificar, debater, ou, constatar uma evidência que por muito repetida ao longo destes anos todos de poética Rock ainda encontra dificuldades de absorção académica e mediática e, por vezes, massiva e também diferenciada, por razões que me escapam tão evidentemente como o facto de isto ser assim e não de outra maneira.

As letras das músicas, das boas, são poesia pura. Ou porque não, na era dos compartimentos, um segmento novo da poesia com vida e luz e público próprio. Esta premissa é o mais fácil. Todos aqui o sabemos e nisso acreditamos. Difícil é ir a algum lado e fazer com que tal seja encarado com a normalidade que lhe conferiria a dignidade e o respeito devidos.

Cheguem ao pé de alguém, qualquer alguém, até um amante de música e digam-lhe: olha aqui esta poesia do Adolfo. Cheguem ao pé de alguém e digam também: olha aqui este poema do Herberto Helder. Até aqui nesta sala a reacção é imediata sobre quem é o poeta, não digam que não. É o peso da tradição, da comunicação, dos livros, da escolha de vida, dos palcos, da agitação, dos sítios que a alma frequenta, do recato até por vezes snob dos poetas só poetas.
É por isso que de alguma forma luto. Não que nos vejam como um fenómeno estranho confinado a colóquios mas que nos vejam como poetas normais como os outros que trazem as palavras para os palcos e as consagram à musicalidade não imaginada, porque real nos instrumentos e na voz, e, muitas vezes, até mais completa.


As letras são ainda o referencial da linguagem, do código/alfabeto que identificamos e perante a música apresentam no leitor/ouvinte uma sensação diferente, menos abstracta, mais de mensagem (desenvolver)

Posto isto o meu estilo:

Autores fetiche do Metal: Tolkien, Poe, Baudelaire, Lovecraft, Aleister Crowley, Pessoa, La Vey, a esquadra cientifica Matheson, K Dick, Bradbury, outros Robert E.Howard; Blake, Wilde. A lista é inesgotável e com as suas glórias ou abusos faz do Metal um dos géneros mais literários que conheço.

Onde encontrá-los: lovecraft- metallica, the thing that should not be; poe, annihilator-ligeia, maiden-murders in the rue morgue; bradbury- iced earth, something wicked this way comes; blake: Ulver, the marriage of heaven and hell; pessoa/campos: moonspell opium; crowley- fields of the nephilim; tolkien em todas as ingenuidades; baudelaire, celtic frost superior, tristesses de la lune. Superior 2 ryhme of the ancient mariner- coldridge.

Problemas: alguns decalques menos felizes, algum arranhar de superfície mas residual perante as obras primas da fusão rock, metal, gótico, com as letras. A tal inexistência de normalidade. Então o Fernando escreve poesia? Para os fãs de moonspell n é? Bem também… ou então logo doutor nas apresentações nas bibliotecas do país. Algum relacionamento do rock com o entretainment e não com a cultura.

Conclusão:

- jim morrison o melhor escritor de poemas de rock de sempre dizia certeiramente “quero que as minhas letras sejam poesia, que sejam vistas para além da música, que tenham vida própria”
Quem as ler sem ouvir doors que diga o contrário. Agora é fazer com que isto não seja de todo especial, mas simples e adequadamente vulgar.


Nick cave the secret of a love song (explorar)

Vou ler o Oficio Cantante, ainda confio nas palavras.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Billy Collins

Nem sempre e se calhar quase nunca as novas tecnologias e as palavras se cruzam tão bem como nos videos da poesia do poeta Billy Collins, disponíveis no youtube.

É curioso ver o crescendo em paralelo de algo que forma muito mais que um todo por intermédio de ser as suas peças, ou partes. Isto é, algo que junto, unido, se eleva para al´me do que é per se, e que coloca o objecto artistico num nivel óptimo de suavidade e beleza e aqui e ali alguma melancolia, daquela boa, que provoca os sorrisos de verdade.

É com um sorriso desses que vos desejo um bom fim-de-semana e uma melhor semana. Vejam na luz dos vossos ecrãs, esta voz, estas palavras,estas imagens que me foram passadas pelo meu bom amigo JL Peixoto e que aqui continuam como círculo virtuoso:

http://www.youtube.com/watch?v=iuTNdHadwbk&feature=related

PS: Obrigado a todos pelas mensagens e presenças na apresentação de Amália Hoje. O disco estará disponível em finais de Abril.

PS1: As Poéticas do rock já arrancaram. Estarei lá na próxima Terça, pelas 18.00 na Faculdade de Letras. Mais info em:
http://www.fl.ul.pt/centros_invst/teatro/pagina/centro-estudos-teatro.htm http://www.poeticasdorock.blogspot.com/
poeticasdorock@gmail.com

quarta-feira, 25 de março de 2009

Amália Hoje

Quis o destino que fosse escolhido para dar voz a canções da Amália juntamente com amigos. Tudo isto é fado e fado é uma espécie de amizade, que relaxa a rigidez e o caractér sacrossanto do tema e ajuda a vencer dificuldades e a exaltar as poucas certezas que comem o medo e lhe deitam a língua de fora. Os meus amigos nesta aventura são o Nuno Gonçalves que tudo fez desde dirigir orquestras a seleccionar os temas que lhe pareceram mais consentâneos ao espírito e letra da 3 época da artista; a Sónia Tavares, que emprestou uma alma profunda aos seus lábios que proferiram os sentimentos das canções; e o talentaço Paulo Praça, o nosso ponta de lança e organizador, uma espécie de Wolf do Pulp Fiction que esteve sempre lá quando era preciso música e que nos faz sentir grandes porque está do nosso lado e pequenos quando ao lado de talento destes. O Nuno e a Sónia são dos The Gift e o Paulo está agora a solo mas tem os Plaza e em tempos idos os Turbojunkie.

Se tudo correr bem vão ouvir falar muito deste projecto de amigos e amantes de música verdadeira e de agitar as àguas paradas em prol da qualidade e da modernidade. Se estão curiosos visitem este link: http://dn.sapo.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=1175736&seccao=M%FAsica, já levanta o véu um bocadinho.

A mim, que sofro de melancolia, calhou-me interpretar um fado cujo poema foi feito pelo punho e dor da própria Amália e que me colheu de surpresa tal a sua força, intensidade e cofre aberto. Pelo que para aqui o transplanto:

Grito

Silêncio
Do silêncio faço um grito
E o corpo todo me dói
Deixai-me chorar um pouco
De sombra a sombra
Há um céu tão recolhido
De sombra a sombra
Já lhe perdi o sentido
Ó céu
Aqui me falta a luz
Aqui me falta uma estrela
Chora-se mais
Quando se vive atrás d'ela
E eu
A quem o céu esqueceu
Sou a que o mundo perdeu
Só choro agora
Que quem morre já não chora

Solidão
Que nem mesmo essa é inteira
Há sempre uma companheira
Uma profunda amargura
Ai solidão
Quem fora escorpião
Ai solidão
E se mordera a cabeça
Adeus
Já fui p'ra além da vida
Do que já fui tenho sede
Sou sombra triste
Encostada a uma parede
Adeus
Vida que tanto duras
Vem morte que tanto tardas
Ai como dói
A solidão quase loucura


Este é o poema do fado interpretado no funeral da Amália. Os seus versos estão compilados num livro Versos pela Cotovia. O disco sai dia 27 de Abril.