sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

À mesa contigo

Quando arranquei
O coração do peito
E o meti sobre a mesa
Cristal sobre cristal
E lhe desferi o golpe final
Com um martelo de aço limpo
Esperei estilhaços
Como chuva de pequenos vidros
Esperei talvez
Gotas de água vermelha
E roxa
Esperei aves necrófagas
Que me puxavam por dentro a pele
Com os seus minúsculos bicos
Esperei plantas murchas
E urtigas, florestas calcinadas
Esperei vozes, gritos, patadas surdas nas paredes
Esperei vermes por dentro da madeira da caixa
Tecendo barulhos imperceptíveis
Esperei a nódoa da culpa
Aquela que não sai

Em vez de isso
Em vez de tudo isso
Ou mesmo de borboletas
E átomos que fugiam de mim
E me deixavam aos buracos
Como bandido apanhado, crivado por balas justiceiras
Células de exílio
Que à pátria
nunca regressarão

Em vez de tudo isso,
Continuo a esperar
Com um buraco no peito
E um coração partido
Sobre uma mesa partida.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Mala

Imagine-se que o mundo
É uma mala que esquecemos num filme antigo
Dentro da mala
Muito mais que a profundidade de uma pele,
Que um palpite de desejo.

Dentro dessa mala
Vou eu, pelo mundo
Por vezes apenas com a cabeça
À superfície das águas
Olhando as pessoas felizes
Da fria janela cá fora, embaciada pelo
Hálito quente do conforto
Da rotina de nada esperar dos dias

Dentro do mundo com que viajo na mala
Conheço pessoas e a todas digo quando me perguntam
O que faço

A minha profissão é
Ir embora