sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Preâmbulo roubado de lanças

Há sempre poemas que ficam de fora, sabe-se porquê e sabe-se lá porquê, dos livros. A economia, a edição, a força do livro, tudo aquilo que nos ultrapassa pela direita e nos faz esquecer a arte na obra e pensar mais na sua equilibrada comunicação.

Esse foi o caso deste poema que poderia ser mais um vulto nos Diálogos. Bem haja o arrependimento :) Bom fim de semana!

Preâmbulo roubado de lanças


Preâmbulo roubado de lanças
Que furam as pálpebras impondo
A primeira luz


O dia entra na cidade pelo lado do rio
Estilhaçando as vidraças que nos protegiam
no escuro
Reviram-se as torres de carne

à procura de quem ficou na noite
Queimam no chão os restos frios
de quem amou, de quem acabou de acabar


Logo pela manhã enquanto as pessoas sobem e descem
a rua roubada

teimo contigo de que te amo mais

do que aquilo que possas compreender.



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post scriptum/curiosidade:

PRÉMIO DA CRÍTICA 2008
A Associação Portuguesa de Críticos de Teatro atribuiu o Prémio da Crítica, relativo ao ano de 2008, a João Brites pela criação de Saga - Ópera extravagante.O júri foi constituído por Ana Pais, Constança Carvalho Homem, João Carneiro, Maria Helena Serôdio e Rui Pina Coelho.O mesmo júri decidiu ainda atribuir três Menções Especiais, respectivamente, à actriz Carla Galvão, ao encenador Miguel Loureiro, e ao encenador Nuno Cardoso.A cerimónia da entrega destes prémios realiza-se no próximo dia 23 de Março (segunda-feira), no Jardim de Inverno do Teatro Municipal São Luiz (Lisboa), às 19h, sendo livre a entrada. Para quem não sabe participei neste espectáculo na personagem Deus Pirata. Fico feliz por todos os que deram tudo neste espetáculo, elenco, o Bando, Banda da Armada, Jorge Salgueiro, a equipa técnica e todos quanto foram ver!!!

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Primeiras impressões


A primeira vez que apresentei um livro, em 2001, não sabia o que me esperava. Foi na Fnac do Chiado em 2001, estava lá, para meu feliz terror, muita, muita gente, cheguei atrasado, não conseguia estacionar o carro e passei por todas as peripécias possíveis. Em todo o caso não posso dizer que estava totalmente às escuras: se houve algo que intui nessa altura é que tal como quando se conhece uma pessoa, a primeira impressão é muito importante e há que saber rentabilizá-la com graça e espírito.


Na minha primeira apresentação usei, se a memória não me atraiçoa em demasia, usei Eugénio de Andrade para dizer que "toda a poesia é luminosa mesmo a mais obscura" e Eça, para justificar o meu livro e a sua partilha/publicação, com aquele ditame "galego" do homem que partilha o quarto e a sua história pessoal em Singularidades de uma rapariga loura (o novo filme de Manoel de Oliveira que me terá como ávido e curioso espectador".


Na apresentação das Feridas já tive ao meu lado o meu amigo José Luis Peixoto e, por vezes, o Jorge Reis-Sá e o Valter Hugo Mãe. Costinhas quentes protegidas pelo poema de Padrón e a perda da timidez.


A apresentação do Diálogo de Vultos, a primeira, na Fnac do Chiado foi bem mais atribulada emocionalmente e nem todas as tentativas para segurar dentro de mim a força deste livro perante uma audiência foram bem sucedidas. Livraram-me de males piores a minha amiga Bárbara (Guimarães), um público surpreendido pela minha humanidade, talvez,mas muito caloroso e o filme intenso da minha amiga Dora Carvalhas pontuado pela música adequada e profunda do meu amigo de longa data Luís Lamelas/Euthymia e a minha voz lendo dos Diálogos. (ver video em blog)


Seguiram-se apresentações várias sempre com a generosidade de pessoas como a minha prima Rita Baleiro, da Universidade do Algarve, ou a única e inimitável professora de Barcelos, a minha querida Fátima Aetheria, em Braga e em Barcelos, forças a adicionar aos vultos apresentados.


Na contabilidade das impressões, foram muitos os locais, as ocasiões, os sentimentos. Houve espaço ao humor e ao amor e à dor em ambos. Numa apresentação num festival de cinema deu para brilhar com uma anedota (Duas cabras estão a comer a pélícula de um filme. Pergunta uma à outra: "E que tal?". Resposta: "Bah! Gostei mais do livro."); noutra do Antídoto (livro disco dos Moonspell e José Luís Peixoto) convites para ir a Cabo Verde (nunca fomos) e epítetos de "bébes de Abril"; ressacas na Madeira, enfim tudo um mundo de impressões.


Não sei se para aligeirar o peso dos vultos comecei a ler/enquadrar as apresentações com a divulgação do meu primeiro poema que escrevi em 1991-1992 (11ºano) quase como numa aposta com uma Professora de Psicologia, para ter uma nota melhor (resultou!) e constituia o grand finale de uma aula/trabalho de grupo sobre o suicidio. Este era lido ao som do Adágio para cordas de Samuel Barber (uma das minhas peças musicais) e toda a aula era diferente e down, com excertos de filmes como o Clube dos poetas mortos (Peter Weir) ou Videodrome (Cronenberg), um momento estranho até mas que deu não só para subir a nota como para causar uma impressão em quem lá esteve.


Rezava assim o poema: (texto non varieteur :) - com as rimas próprias dos sweet seventeen)


Não encontrei a beleza

na morte da natureza

na humana omissão

na derradeira confissão

no eterno recalcamento

no asifixiar do sentimento


A espiral humana da cobardia

que venera a hipocrisia

encontram em nós- descrentes-que pomos fim à vida

escape para as torrentes - um escape suicida.


O esforço inglório da vida

nas mãos do herói do século XX termina

o esforço inglório da vida

termina às mãos do suicida

que tremem diante do mistério

que enchem sem cessar o necrotério (!)


Para onde irei? - o dilema eterno

só sei que abandonarei o real inferno

o paraíso perdido é já uma certeza

eu só quero encontrar a beleza


E tinha este aspecto que vem no canto superior esquerdo do post. É um manuscrito original. Durou até hoje :)
Obrigado a todos quanto comentaram, continuem a abrir o cofre, até para a semana, bom fim de semana!






sábado, 14 de fevereiro de 2009

Abandonado jardim

Criei este blog em 2007 mas, por razões diversas - raiando desde a falta de tempo e organzização até ao excesso ou absoluto defeito de assunto/poema, depressa o abandonei. Continuei, no entanto, a nutrir por ele aquela espécie de carinho que se tem pelos jardins meio perdidos ou também eles abandonados, que são tristes mas tão bonitos que doem e que apetece visitar para nos perdermos na saudável melancolia que cresce nas ervas desalinhadas. Estive a semana passada no Jardim Botânico de Lisboa e por lá pensei nisto.

Chegado a casa, pausa forçada para recuperar da excisão de um lipoma, apeteceu-me repovoar este jardim com palavras e o tornar um pouco mais vivo, no sentido de activo, mas sem perder o tino melancólico que é a essência e a chave do cofre.

Quero pedir desculpas a todos que aqui em vão vieram e em vão seguiram, prometendo, para já, contactar quem comentou neste blog e fazer um bocadinho de divulgação, de modo a trocarmos palavras e sentimentos perante as mesmas.

Sendo quase impossível escolher um disco ou livro preferido, tenho a sorte de saber apontar com exactidão quem é o meu poeta preferido e maior influência quando me sento a escrever poemas meus: o seu nome é Justo Jorge Padrón, nasceu nas Canárias em 1943 e publicou pela primeira vez em 1969. A sua poesia é, para mim, perfeita no timbre, na cor, no tema, na alma e no corpo. Não tem um site oficial mas este http://amediavoz.com/padron.htm faz-lhe as honras possíveis. Inspiro-me muito nas suas palavras e nos caminhos que estas tomam e aquando da apresentação do meu segundo livro As Feridas Essenciais utilizava ( e não era um recurso de à falta de melhor) o seguinte excerto de um poema seu sobre o poema/acto:

Mais que um filho

Mais que um filho, é um escravo, o poema.
É parte dos teus sonhos indomáveis,
Um farrapo da tua alma sucessiva,
Um monte de palavras que salva a tua memória
Dos momentos plenos do deserto.

Por vezes é o eco incompreendido
Da tua própria consciência ou de outro sangue
Que em ti palpita sem que tu o saibas.

(…)

O poema é um corpo abstracto, talvez um ser
Misterioso de que és o seu deus único.
Podes embelezá-lo ou deformá-lo
Com a perversidade de um tortuoso castigo
Até torná-lo céptico, canalha ou taciturno,
Perante a lucidez dura de teus olhos.

(…)

há poemas obscuros e assassinos
que nos espiam com a sua adaga levantada
há outros juvenis, tersos, apaixonados,
cuja directa luz desnuda o fogo.
Também os há ociosos, brigões, lascivos,
Curiosos ou ignorantes que perguntam
Sem que jamais possamos responder-lhes.

Um poema é, enfim, um látego desditoso
Uma alma solitária trespassada de repente
Pela densa dor que o convoca

JJ Padrón

A Teorema publica Padrón em Portugal, a tradução é superior, se bem que o original castelhano seja límpido como poucos e também as traduções Inglesas são de primeira àgua. Leiam Padrón e mudem a vossa vida.

Num registo mais mundano espero que este blog ganhe as asas de uma audiência e que se legitime, em beleza, a comunicação pretendida. Todos os meus livros, inclusive o último Diálogo de Vultos foram reeditados pelas Quasi e podem encontrá-los (andaram desparecidos das lojas, bem sei...) em http://www.quasi.com.pt/ Também lhes podem escrever e indagar da livraria mais próxima que os tenha para venda.

Até breve para mais "dor convocada."