sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

À mesa contigo

Quando arranquei
O coração do peito
E o meti sobre a mesa
Cristal sobre cristal
E lhe desferi o golpe final
Com um martelo de aço limpo
Esperei estilhaços
Como chuva de pequenos vidros
Esperei talvez
Gotas de água vermelha
E roxa
Esperei aves necrófagas
Que me puxavam por dentro a pele
Com os seus minúsculos bicos
Esperei plantas murchas
E urtigas, florestas calcinadas
Esperei vozes, gritos, patadas surdas nas paredes
Esperei vermes por dentro da madeira da caixa
Tecendo barulhos imperceptíveis
Esperei a nódoa da culpa
Aquela que não sai

Em vez de isso
Em vez de tudo isso
Ou mesmo de borboletas
E átomos que fugiam de mim
E me deixavam aos buracos
Como bandido apanhado, crivado por balas justiceiras
Células de exílio
Que à pátria
nunca regressarão

Em vez de tudo isso,
Continuo a esperar
Com um buraco no peito
E um coração partido
Sobre uma mesa partida.

17 comentários:

Pedro Sousa disse...

Só posso dizer as banais palavras - parabéns está excelente!

Fabiano Lobo disse...

Eternamente esperando. "Com um buraco no peito e coração partido."

Isso mostra a realidade de cada um de nós a aguardar mudanças no mundo.

Obrigado por presentear-nos com sua maravilhosa arte das palavras!
Sempre que tenho um tempo, passo por aqui pra contemplar esses belos desabafos que fazes.

Desejo-te muito sucesso. Os mais sinceros votos.

Christine disse...

Had to swallow the lump that formed in my throat when I finished reading... You make us feel your pain and long for it's ending...
I believe there is a growing beauty in your saddened agony and suffocation and I hope it all comes through... *** Christine

Moonshadow disse...

Sem palavras...tocou-me mesmo...=)

Anônimo disse...

Porque ler o que escreve, arrepia é algo sem o qual não consigo passar, leio os seus poemas sempre como se fosse a primeira vez, e não me canso. Escrever é inato em si.
Continue a privilegiar nos com a sua poesia.
Beijinhos
Raquel Valente

Anônimo disse...

Haverá Ninfa que desconheça o peso que se afunda dentro do teu peito?

Quem maltratou o Amor? Quem o arrancou do peito, como se possuído pela fúria do anjo caído, quem o despedaçou, quem olhou e não o reconheceu, quem o negou? Quem fugiu? Será martírio ou a sensibilidade da ferída aberta que nunca fecha, que na força da voz do Orfeu se ergeu de vez para esconjurar o Amor, pela pouca sorte que teve ao tê-lo visto passar!

Para que saibas que mesmo ao homem lhe foi concedido a graça, quando existe o Amor verdadeiro nada nem lei o faz extinguir-se deste mundo. Mas o sofrimento deste sentimento é como a imensidão e a profundeza do mar.

The Poisonous I disse...

Bela poesia, Fernando.

Abraço!

Maria disse...

Como eu entendo as suas palavras...

Dário Nantes disse...

brilhante...extraordinario...assombroso como só tu sabes !!! Fernando, um forte abraço!

jonathan disse...

Mais um Grande poema, não só devido ao tamanho em si, mas à força que dás a cada paavra, cada verso, ao significado de cada estrofe.
O que exprimes faz bem a quem lês.
è bom ler o que transmites, porque sabes como o fazer bem.

aqui está no meu blog um tipo de dedicatória, este teu blog está no meu top 5.

visita: http://blogwithnonamee.blogspot.com/2010/02/selo-de-garantia-de-qualidade.html

© Maria Manuel disse...

gostei muito deste poema.
abraço.

Anônimo disse...

Remorse. Guilt that the weak may force back, in the fruitless ground of habit, in the absolute incapability to run away again, in lack of freedom. Remorse which the weak leads to surrender and regret, misery and compromise. End is always painful. There are judged the brave, the strong-hearted. The Poet cannot be bent. For the Poet writes and lives deeds led by respect to the primitive feelings of his, not rules and guilt and cowardice. (Wisdom of the Fallen Angel against enslavement, commonly misinterpreted) This knowledge He transmits through his Art. The knowledge to feel, to distinguish will from inability to do otherwise . The Poet awaits . He knows the worth of waiting, the rythm the world is moving to. He wishes not for the life he led, but for the days that are to come. He feels the Nymph approaching. Does He know what He is waiting for, whom, how? No, not even He knows. Thus, He lays trust. He lets himself to the infinite, liberalized from the comfort of the presence of what is already known and lived, of what has no more to offer or to teach, presence that is nothing but a dungeon indeed. He stands still, completely naked. Believing in his own worth. Worthy of his own title. And the Muse approaches. With a new face, unseen before, the way He does not expect. Yet, He recognizes her. When She will approach, He will recognize..

Anônimo disse...

completamente sem palavras, ja perdi a conta as vezes que li este este poema e mesmo assim as palavras parecem-me cada vez mais fortes e com mais significado.

realmente incrivel.

continua a escrever, eu sou leitora assidua do teu blog.

sou fã da tua poesia e da tua musica. es incrivel.

beijinhos fernando

\m/MOONSPELL\m/

Anônimo disse...

dear, amour is what you are waiting for. so different from love of habit. you shall fall in love again. "the one" is yet to come!

A Lisboeta disse...

Que poema lindo, Fernando :) A última estrofe então, muito bom mesmo.

Ah, já li a coluna da Loud deste mês. Diz lá que não deste um belo poster, hem? ;)

Beijinhos

Daisy Libório disse...

Para isso servem os buracos
bruscamente entalhados no peito:
para dar vazão a espera
de um momento vão,
a coisas que temos de mais leves
(porque as obscuras,
mais densas
levamos conosco
irremediavelmente)...

*Belo insight...

SThanya disse...

Já apanhei um coração dessa maneira mas não sei se mereci tal prazer...