- Nunca matava na primeira visita embora observasse a vítima no seu habitat. Os trabalhos de fiscalização e de administração duravam três a quatro dias sempre. Cobria a cidade mas também os arredores.
- À segunda ou terceira visita efectivava o crime, despejando os corpos em ambientes sempre coincidentes com os desaparecimentos. Por exemplo, quem se afogasse, ficava nas margens, escondido de uma maneira que levasse cerca de dois ou três dias a encontrar. Neste âmbito inclua casas, planícies, sítios em obras, que tinham a vantagem de encerrar em si desde logo a própria história, sem grandes perguntas.
- Não deixava pistas ou então criava artificialmente vestígios que esbarrassem nas burocracias e nas perícias técnicas da Policia, que conhecia e tinha estudado e que sabia que estavam limitadas aos cortes de orçamentos tantas vezes assinados por vítimas ou candidatos a vítimas.
- Acompanhava os casos até uma certa altura, desfazendo-se depois de todos os registos que o pudessem ligar ao acontecimento. Usilva fazia exactamente o mesmo.
ZP era uma pessoa dupla. Essa qualidade permitia-lhe uma flutuação de sentimentos. O sexo e a morte era ideias rápidas e violentas. Não lhe ocupavam o tempo suficiente a ideia. Assim, mantinha-se longe da pulsão até bem perto do principio e do fim do acto. Tinha um gatilho que desligava e lhe permitia a banalidade de pensamento e de acção. Comia o bife da casa no restaurante de pensão em Alfandega e este merecia-lhe tanta consideração como o bandido que fazia as cooperativas da sua terra fecharem e os trabalhadores suicidaram-se ou se entregarem ao ócio e aos vícios, falecendo em vida. Nunca tinha comentado os seus métodos como ninguém e até Usilva sabia, apesar das insistências deste, apenas informações gerais, algumas até por via indirecta. Era como jogar as cartas. Usilva sabia que cartas tinham calhado a ZP mas durante o jogo, havia um puxão da toalha que cobria a mesa, os copos entornavam o vinho que bebiam, as garrafas de cerveja explodiam espumosas nas cartas, tudo se misturava, o jogo tinha ido até ao limite, nunca chegando ao fim. Depois de limpa a mesa, baralhavam, partiam e tornavam a dar.
Não era de poucas palavras. Nem de muitas. Não vivia na escuridão, nem na luz. Participava na área cinzenta como quem sai para dar uma volta ao parque e volta para casa sem ser visto por ninguém. Não era cruel mas sabia sê-lo perante as medidas. Não se sentia um justiceiro, nem um matador e sabia que nunca iria ser um herói. Tinha, contudo, uma ideia de justiça que lhe parecia colorir a sua vida banal e como aquele homem que vive e vai todos os dias ao café, à campa da sua mulher colocar flores, ao quiosque comprar o jornal, o bom dia à empregada da portagem, que vai dar uma volta com o cão, que compra todos os dias o pão, duas carcaças, dois integrais, até se tornar invisível nas suas acções, parte da rua como a árvore da esquina, o marco antigo do correio, as bilhas de gás atadas por correntes à porta da mercearia. O chão que se pisa sem olhar. Como o chinês, transformado no que o rodeia. Camuflagem simples, despretensiosa, aproveitando a indiferença dos rostos.
2 comentários:
Meu caro,
Aproveito mais uma vez para te agradecer a presença, a participação e o grande espírito.
Engrandeceste-nos a todos com a tua sublime presença.
Gratia plena!
Charles
Gostei bastante deste novo registo. Acho que é bastante promissor.
Por enquanto, só me resta aguardar o lançamento completo :)
Beijinhos
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